Tradução

domingo, 22 de maio de 2011

Suicídios na France Telecom - depoimento de um trabalhador

Escrevi a um amigo que trabalha na France Telecom perguntando a razão dos suicídios dos seus colegas (55 mortes por suicídio em 2010 e 2011). Sabia pela imprensa que, provavelmente, a causa disso são as mudanças no sistema de emprego e trabalho. Mas eu queria saber mais e por uma pessoa que trabalha na empresa, dando seu depoimento pessoal. O senhor Daniel, muito gentilmente,  me escreveu em Francês. Segue abaixo o texto traduzido por mim (certamente não é uma excelente tradução) e, em seguida,  o texto original. Antes, explico porque  me interesso por esse assunto.  Porque o trabalho é algo muito importante na vida e as coisas importantes devem ser discutidas, refletidas, questionadas. No Brasil, passamos por brutais transformações no trabalho desde a década de 1990 (reengenharia, terceirização, privatizações, fleixibilização etc.) com sensível piora das condições de trabalho, apesar do enorme crescimento da produtividade. Resistimos como pudemos e nos adaptamos sofrendo muito. Mas o massacre ideológico foi tão grande que ficamos praticamente envergonhados de defender direitos conquistados.  Defender o emprego público e a empresa pública, por exemplo, passou a ser considerado pelos meios de comunicação e por boa parte da chamada "opinião pública" como coisa de "dinossauros". Tivemos que engolir o discurso da ineficência estatal, quando, na verdade, foi o Estado brasileiro - através da popupança pública - que possibilitou construir a infraestrutura que o país tem ainda hoje. Infraestrutura essa que foi privatizada, em grande parte,  na "bacia das almas" (falta de transparência e corrupção desenfreada), em nome de maior eficiência. No setor de telecomunicações, por exemplo, o resultado dessa "maior eficiência" foi a destruição de milhares de empregos, a degradação das condições de trabalho, a flexibilização dos contratos de trabalho (boa parte  virou CONSULTORES SEM DIREITOS TRABALHISTAS), o crescimento da internacionalização da economia brasileira e o enorme crescimento dos custos dos serviços de comunicação.



Depoimento do Sr. Daniel, trabalhador da France Telecom, em Paris

"A  France Telecom é a maior administração que foi privatizada na França. Aos poucos, cerca de 180 000 trabalhadores foram convertidos a funcionários de uma empresa privada. Na França, trabalhar no Estado é garantia de manter o seu emprego. 30 anos atrás, a pessoa que passou a ser funcionário, pensava que teria o mesmo trabalho durante toda a vida, muitas vezes usando os mesmos métodos. Com a mesma qualificação, seu salário era menor que no setor privado. Com a privatização, e a  France Telecom  é o melhor exemplo, aconteceram forte mudanças nos métodos de "gestão", nas relações de subordinação, nas  metas impostas etc. Além disso, houve um plano na empresa para eliminar 22 mil empregos em três anos (trabalhadores convidados para ir para outras jurisdições, sem novas contratações para substituir aqueles que se aposentam etc.).  Para eliminar tantos empregos,  em tão pouco tempo, foi necessário reorganizar os serviços. Ao mesmo tempo, houve o desenvolvimento de telefones celulares, internet etc. criando a necessidade de mais pessoas para atender telefones e vender a clientes. Na verdade, a  rede já estava construída  e a manutenção passou a ser realizada por empresas privadas para economizar custos (em teoria ...). Então, houve um grande número de técnicos que tiveram que mudar de emprego, local de trabalho, métodos etc. Caso típico é o do técnico com mais de 50 anos: ele chegava de manhã no escritório, pegava a ordem do dia com as tarefas que deveria desempenhar, conversava com o chefe, saia para a jornada e não voltava no período da tarde. Era sua responsabilidade: se ele trabalhava rapidamente, podia terminar  a jornada de trabalho mais cedo; se ele trabalhava mais lentamente, ele terminava  mais tarde ou trabalhava mais  rápido no dia seguinte. Praticamente, ele era o seu próprio chefe. Com a privatização, ele passou a ir para o trabalho em um escritório (ele sempre trabalhou fora), juntamente com muitos outros, ficando exposto a ruídos (antes, ele trabalhava sozinho ou com uma ou duas pessoas). Era  muito independente, agora deve obedecer como uma criança aos chefes, geralmente pessoas mais jovens treinadas em escolas de negócios, com um estatuto de trabalhador privado. É difícil para todos. Muitos deprimidos a tomar tranqüilizantes, alguns se adaptam e outros, um número menor (ainda bem!) comete suicídio. Muitas vezes, os suicidas são aqueles que investiram pesadamente em seus trabalhos. A France Telecon,  infelizmente,  não é a única jurisdição onde isso acontece. As mesmas causas produzem os mesmos efeitos,  como se diz na França."

Depoimento original, em Francês
" Il faut savoir que FT est la plus grande administration qui a  été privatisée en France . Petit à petit , autour de 180 000 travailleurs fonctionnaires se sont retrouvés dans une entreprise privée . En France , travailler pour l'Etat , c'est la garantie de garder son emploi . Il y a 30 ans ,  celui qui  devenait fonctionnaire savait qu'il aurait le même emploi toute sa vie en utilisant souvent les mêmes méthodes de travail . A qualification égale , il était mois payé qu'un travailleur du secteur privé .
Avec les privatisations , et FT est le meilleur exemple , si le travailleur garde la garantie de l'emploi beaucoup de choses changent.Les méthodes de "management" , les relations hiérarchiques , des objectifs imposés etc. De plus à FT , il y a eu plan pour supprimer 22 000 emplois en 3 ans ( travailleurs invités à aller dans d'autres administrations , pas de remplacement de ceux qui partent en retraite etc ) . Pour supprimer tant d'emplois en si peu de temps , il a fallu réorganiser les services . En même temps ,il y a eu le développement des téléphones portables , d'internet etc . Il y a eu besoin de plus de personnel pour vendre et répondre au téléphone aux clients que de techniciens . En effet , le réseau était construit , la maintenance assurée par des entreprises privées afin d' économiser les coûts ( en théorie ... ).
Il y a donc eu un grand nombre de techniciens qui ont dû changer de travail , de lieu de travail , de méthodes etc. Ainsi  le cas typique est un technicien de plus de 50 ans : il arrivait le matin au bureau , prenait une feuille de papier avec ce qu'il devait effectuer dans la journée , parlait un peu avec son chef puis partait pour la journée & ne revenait qu'en fin de journée . Il était son propre responsable : s'il travaillait vite , il pouvait finir la journée de travail plus tôt , s'il travaillait trop lentement , il finissait plus tard ou travaillait plus vite le jour suivant . Il était presque son propre " maître" . La privatisation  arrive : il doit aller travailler dans un bureau ( il travaillait souvent dehors ) , avec beaucoup d'autres , du bruit ( il était souvent seul ou avec 1 ou 2 personnes ). Il était très indépendant , il doit obéir comme un enfant à l'école à des chefs bien souvent plus jeunes formés dans des écoles de commerce ayant un statut de travailleur privé.
C'est difficile pour tous . Beaucoup dépriment & prennent des tranquilisants , un certain nombre s'adapte et un nombre plus petit ( heureusement !) se suicident. Souvent ce sont ceux qui s'étaient beaucoup investis dans leur travail. FT n'est pas malheureusement  la seule administration où cela arrive . Les mêmes causes produisent les mêmes effets comme on dit en France."


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